“Isto acontece
sempre que sentimos o futuro mudar. No fim, faz parte de nossa natureza.” As
súbitas palavras surpreenderam os olhos do garoto. Estavam castanhos até então,
refletindo a cor avermelhada do céu no fim da tarde. Mas no momento em que eles
se abriram, tão lentamente quanto as estrelas surgiam nos céus seus olhos
retornavam ao verde. Seus olhos eram verdes; puros como a copa de uma árvore em
sua plena juventude. “Humanos não são como árvores, que podem manter sua
juventude por quanto quiserem. Um dia tudo isto passa, o verde torna-se mais
opaco até assemelhar-se a relva morta. Para que ter medo daquilo que já
conheces?”
A agonia no ar
começou a tornar-se tristeza. Mantinha o olhar fixo do mirante para o sol. Os
raios de sol davam o aspecto de ouro às águas do mar, que pareciam avançar
conforme a tempestade retirava-se a leste. Uma brisa vinda do horizonte agitava
seu terno ao ar, enquanto apoiava os braços na cadeira do observatório. Tal
brisa parecia desmanchar um curto sorriso em sua mente, conforme seus olhos
voltavam ao estado de melancolia. Já havia passado a surpresa.
– Então você
também sente este tremor? – perguntou o garoto em voz baixa.
– É uma das
propriedades de minha existência. Talvez você possa considerar como sendo da
sua também. – respondeu um homem que surgira encostado a mureta do mirante.
– Não sei se
era seu objetivo, mas não melhorou minha condição ao contar-me isto. Apenas me
sinto pior por não compreender características tão marcantes em mim.
– Realmente,
está longe de ser aquilo que pensas. Desta vez, é realmente ligado àquilo que
sentes. Cada vez que sentes tal tremor, estás sentindo a mudança do futuro. –
enquanto o homem sumia, surgia uma menina ao lado do garoto, sendo seus
olhos tão verdes quanto os dele – É diferente da perda de alguém. Não é um
processo de término, mas sim de mudança, reconfiguração. Nós estamos
intimamente ligados ao futuro; você, principalmente, muito ligado ao seu.
Quando o futuro muda, você sente.
– Então a dor
que sinto pelas perdas torna meu futuro diferente e esta sensação se mostra
como um tremor.
– O tremor
transcende o seu abalo psicológico do momento. Entenda: não apenas você, mas
todo o mundo se afeta com a mudança do futuro. Pois de todas as linhas
prováveis de que se ocorressem, uma que não havia sido cogitada ocorreu. O
futuro tornou-se negro em sua mente a partir daí, muito do que se sabia não se
sabe mais. O abalo que você sente parte deste fato, da inexistência presente do
seu futuro.
– Espero que
não esteja me dizendo algo estúpido como viver pelo presente e ignorar o
futuro.
– A intimidade
é terrível... – disse a menina dando um último sorriso antes de mudar, tendo
seus cabelos tornando-se vermelhos e sua pele mais branca – Faz parte de nossa
natureza estar ligado ao futuro. Para mim, o tempo se apresenta simultâneo e
invariável, na verdade é como se não houvesse tempo, todos os fatos ocorrem e
deixam de ocorrer. Na sua situação, seu corpo te limita. Você acaba percebendo
esse fator nomeado tempo e, portanto, liga-se aos fatos que ocorrem e deixam de
ocorrer. Você naturalmente busca o que virá, é sua maneira de assemelhar-se a
mim.
– Qual é a
resolução que me ofereces?
– Não te
ofereço resolução. Estou explicando sua dúvida apenas. Sim, eu sinto o tremor,
desde sempre tenho sentido. Este e muitos outros tremores.
– As outras
pessoas também sentem?
– Menos,
provavelmente. Não são todos tão ligados ao futuro quanto você é. Não são todos
que sentem este mudar de forma tão fluida. Mas acredite: com o tempo você se
acostuma com a sensação. – novamente desapareceu.
O silêncio
iniciou-se novamente. A brisa tornava-se mais leve e o olhar do garoto continuava melancólico. Seus olhos eram verdes. A noite já havia caído, e, além
da lua e das estrelas, a fraca iluminação das lamparinas tornavam
possível enxergar algo no mirante. Talvez fosse correto afirmar que os olhos do
garoto brilhavam mais do que as coisas restantes, e, logo abaixo da montanha em que se encontrava,
uma cidade que começava a acender suas primeiras luzes.
A lua e as
estrelas se moviam imperceptivelmente no céu, mas tanto tempo passara que era
perceptível o quanto já haviam mudado. Foram horas sentadas na mesma posição,
até que, pela primeira vez, olha para o alto.
– Eu não quero
ter de me acostumar com a sensação.
De repente, nas
costas do garoto surge uma pequena criança, com a cabeça apoiada nele.
– Não veja como
algo negativo. O futuro muda por uma razão e essas razões ocorrem segundo minha
vontade. – diz a criança.
– É fácil dizer
quando se sente os tremores que se quer. Você não perdeu o que eu perdi, me
pergunto na verdade se já perdeu algo.
– Perda? Você
perdeu uma parte de seu futuro, o que não representa a perda da memória do
mesmo. Não desmereça a sua memória.
– Devo
conservar a memória que tinha do meu futuro? A maioria das pessoas não vai
ficar satisfeita com a justificativa de minha melhora.
– Diga que o
tempo lhe curou. É o mesmo, apenas com palavras mais simples de não se
entender.
Os olhos para
baixo, uma lágrima ao chão. Os olhos dele eram verdes, vivos como a copa de uma
árvore no auge de sua juventude. As mãos unidas e abertas, como se fizesse uma
reverência ao horizonte. O levantar da cadeira. Seus cabelos eram loiros e
brilhavam singelamente com a iluminação das lamparinas. A criança não era da altura de suas pernas.
Seu corpo era alto e esguio. Os ombros que começavam a se levantar.
– Às vezes o
universo repete alguns funcionamentos. Nós humanos somos atraídos por grandes
quantidades daquilo que também possuímos. Vontade, conhecimento, espírito.
Essas coisas nos atraem e nos fazem juntar os futuros. A espada muitas vezes
rompe as ligações que permitem essa tendência de aproximação, mas, neste caso,
tudo que ela fez foi cortar o véu e permitir a visão, o mútuo conhecimento,
para que o futuro começasse a ser redefinido pela tendência de união. Farei
como dizes e não deixarei que o futuro se perca totalmente, são muitos caminhos
para um único resultado, apenas alguns efeitos ocorreram antes. Em respeito
àquele que mostrou este caminho, em memória, continuarei a segui-lo. – concluiu o garoto.
– Sempre foi
uma boa forma de construir utilizando-se de formas padrões. O universo e os
humanos não são diferentes. O mundo é um fractal meu. O universo é um fractal
do mundo. A humanidade é um fractal do universo. Você é um fractal da humanidade.
– Isto te torna
um fractal meu?
– Não. Somente
o mundo, o mundo reflete você, estes seus olhos verdes como palavras de vida.